quinta-feira, 22 de abril de 2010

Como identificar o protofascismo em nosso meio

1) O nazismo tinha uma teoria das raças, do povo ariano naturalmente escolhido para mandar nos demais, era anti-cristão e seguia a filosofia materialista. Para Hitler, a decadência da civilização proviria obrigatoriamente do cruzamento de raças, portanto, sua solução era que a humanidade fosse dividida segundo as raças, onde haveria de fundar o Übermenshc (super-homem). Seu regime político era necessariamente totalitarista. Já o fascismo mesmo não sendo inteiramente totalitário, era um sistema de força que deixava a população dividida, entre os partidários da truculência e os pressionados a passar para o lado dos fortes, senão seriam perseguidos. Tanto faz se o fascismo for de estado, de uma instituição, de grupos ou indivíduo, sua atitude é fundada na intolerância, na perseguição aos diferentes e termina gerando efeitos traumáticos sobretudo naquelas pessoas que são despossuídas de poder. A tolerância é uma virtude que "tem certos limites, que são os de sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições de possibilidade" (Comte-Sponville, A., 1995, p. 173-89).

Assim como não se pode ser tolerante com o criminoso, também não se pode ser tolerante com quem é intolerante. Karl Popper, observa que há um paradoxo da tolerância: "Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes [e protofascistas]e se não defendermos a sociedade tolerante contra esses assaltos [agressões, abusos de poder, terrorismos], os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância". Portanto, ser tolerante para com o protofascismo e seus agentes - que são fudamentados na intolerância aos diferentes no modo de ser, de pensar e agir - é, pois se oferecer ao aniquilamento enquanto virtude e pessoa existente.

2) Um traço protofascista é o "culto da ação pela ação". A ação fascista é beligerante e carece de reflexão prévia, logo, é uma ação de fundo irracional ou passional e imprudente. O fascista não fala, age e faz discursos. Quer dizer, nele some a pessoa - que fala - para dar lugar ao discurso político em nome de alguma causa. O discurso que a engendra costuma vir em forma de razão e moral cínicas, de moralismo e legalismo positivista. Segundo S. Sizek, a "razão e a moral são cínicas" na medida em que eles sabem que fazem um ato mau, mas mesmo assim argumentam sobre a "justeza" e a "humanidade de seus atos". Sua denúncia não é baseada na justiça, mas no seu próprio sentido de justiça que visa prejudicar alguém, por vezes fazendo uso da delação, da palavra ferina, de insinuações e alusões e até pode usar de agressão física num momento de descontrole. (No caso do terror, a violência extrema é calculada racionalmente, portanto, não se trata de um ato louco, mas de um ato perverso). O protofascista, procura justificar que seu ato foi "para o bem coletivo...", "para evitar a decadência estética das artes...", "para evitar um mal maior" ou ainda como era freqüente nos tempos da ditadura: "para salvar a nação dos comunistas, da corrupção, dos gays", etc.

3) Enquanto o desacordo é sinal de diversidade, o protofascista pretende alcançar o consenso explorando o medo e a angústia das pessoas. O ambiente de trabalho, por exemplo, é lugar escolhido para gerar intrigas, divisões. Há estudos que trabalham com a hipótese de que espaços movidos pelo espírito protofascista produz mais esquizofrenias paranóides que os outros. Assim como existem seres humanos "terapêuticos", que fazem bem aos outros, também há personalidades perversas que tem a capacidade de causar desarmonia social, desequilíbrio psíquico e atravancar o andamento de projetos, desenvolvendo: desconfiança, ressentimento, inimizade, sensação de pavor, de perseguição ou paranóia.

4) Não importa se a ideologia "oficial" do grupo é nazi-fascista, anarquista, ou até mesmo socialista ou ecologista, a tática protofascista pode intencionalmente ocupar todos os espaços para fazer sua política de "tudo vale". Os indícios vão desde slogans do tipo "Brasil: ame-o ou deixe-o" (lembram do período Médice?), também, posicionamentos do tipo "quem não está conosco, está contra nós" (comuns em assembléias de decisões). Por vêzes, as atitudes moralistas ou legalistas "da letra" podem esconder interesses ocultos de ânsia pessoal pelo poder ou de gozo perverso em sustentar a atitude de beligerância.

5) A estrutura psíquica do protofascista tende a ser perversa e narcisista. "Perversa" porque são incapazes de amar outra pessoa e respeitar a lei que fundamenta a convivência humana e "narcisista" porque "acha feio o que não é espelho"; quanto patológico, o narcisista rejeita tudo que é diferente (idéias, opiniões, crenças, valores, modo de agir e de ser) e somente aceita o que é seu igual. Há patologia no seu ato de olhar que sempre acha alguém ou grupo como "mau". Para o nazista, o narcisismo está em atribuir a culpa de tudo de ruim na economia e na sociedade aos judeus. Hoje, o fascista pensa que aqueles que não se enquadram exatamente nas idéias, crenças e valores que ele acredita, devem ser queimados, eliminados socialmente ou fisicamente. A vontade de poder do nazismo e a intolerância do fascismo tem repugnância pela compaixão ou empatia que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de sentir-se na pele do outro e sofrer com ele. (O mesmo posicionamento do fascista acontece com o terrorista, com um diferencial: sua causa é o gozo místico que está acima da vida dele e de todos, não há compaixão, não há empatia, só fanatismo). É próprio da estrutura perversa e narcisista do protofascista: a dureza de caráter, a frieza de espírito, a indiferença, a secura no coração, a insensibilidade diante de um necessitado e sua tendência a falar mal dos que não se adequam à sua camisa de força moral. São os agenciadores das fofocas e da politicagem. Goebbls, o ministro da comunicação de Hitler, dizia que "uma fofoca é uma mentira que repetida várias vezes, terminam virando verdade".

6) O protofascista, acredita [delira] que está em marcha uma conspiração, uma rede secreta de conspiração. Os supostos inimigos podem ser os comunistas, os negros, os gays, as mulheres que estão subindo ao poder, todos aqueles que recusam a fazer pacto cego com ele, são vistos como os "do mau". Sua visão de mundo maniqueísta divide-se entre os que representam "o bem" e os que representam "o mau". Um fascista costumava dizer: "Quem não está do nosso lado é contra nós". É notável seu desprezo pelo pluralismo de idéias, a incapacidade pelo diálogo e debates de idéias. Eles pensam que estão sempre do lado do bem e da verdade absoluta. O protofascista vive a fantasia de ter sido eleito pelo divino para fazer o bem. Seu ideal e ação são messiânicos. (Nesse sentido, tanto os EUA, como os terrorista tem algo em comum: o messianismo delirante - escrevo esse adendo após os ataques de 11/09/01, em Nova York). Segundo U. Eco, os fascistas estão condenados a perder suas guerras porque são visceralmente incapazes de avaliar objetivamente a força do inimigo.

7) Para o protofascista, "não há luta pela vida mas vida pela luta". Acredita que o homem é o lobo do homem, a vida é uma luta em que vencem os mais fortes. Vivendo em estado de guerra permanente, ele vê o pacifismo como fraqueza ou simplesmente um mal na sociedade atual. Umberto Eco chama de "complexo de Armagedon", porque há nele a crença de que haverá uma batalha final para derrotar de vez os inimigos, após o qual o movimento controlará o mundo. Após a "solução final", haverá uma Era de Ouro, o que contradiz com o princípio da guerra permanente no fascismo. Enquanto a Era de Ouro não vem, alguns poucos fascistas escolhem viver perigosamente o gozo da luta política. Mussolini, símbolo número um do fascismo, que se aliou a Hitler na 2a. guerra mundial e que acabou pendurado de cabeça para baixo, exposto à execração pública dos italianos, tinha como lema de vida "vivere pericolosamente". Dizia: "Prefiro um dia de leão a mil de ovelha".

8) Para além das idéias de Umberto Eco, observamos que o protofascista é movido pelo esquizo-paranoidismo. Por exemplo, em casa tende a ser uma pessoa de convivência harmônica, aparentemente equilibrada, mas quando está com seu grupo de iguais ideológicos, entra em "transe grupal", isto é, alucina um campo de batalha onde se oferece aos imperativos da gestalt do grupo, como um soldado, uma bestasfera agressiva, intriguenta, e suicida, enfim, abdica de sua identidade pela "causa" mítica. Alguém disse que tais pessoas são tomadas pelo "espírito de Torquemada" (inquisidor espanhol que mais matou em nome da 'santa inquisição') ou pelo "estilo Goering", o segundo homem após Hitler, que na intimidade era bonachão, amante das artes e da cultura, mas no trabalho colocou sua inteligência na invenção dos campos de concentração e no extermínio em massa dos não arianos. (Esse estado de "transe" poderia ser coletivo e vingativo; uma vez que é puramente passional poderia causar efeitos extremamente imprevisíveis, tanto homicidas como suicidas. É só dar uma olhada na história das guerras).

Uma vez terminada a ditadura militar, no Brasil, de clara orientação fascista, lamentavelmente ainda sobrou seus efeitos camuflados entre diversos grupos sociais, tal como aquele que ensaiou um movimento separatista no sul do Brasil. Na convivência cotidiana, os protofascismos estão expressos nos assédios morais, nos discursos que desqualificam o próximo, nos atos de injustiça, nas bisbilhotagens dos grampos telefônicos, nas intrigas calculadas para prejudicar um colega de trabalho ou estudo, nas falas e atos provocativos de qualquer espécie, etc.

Diante do obscurantismo de nossa época, da esclerose de idéias e de valores, da mediocridade de pensamentos que não consegue dar conta de entender a complexidade de nossa época e, sobretudo, a ausência de sabedoria em todos os setores da existência humana, só nos resta ficarmos de plantão para prevenirmos em relação ao protofascismo individual ou institucional.

Ou seja, no cenário mundial contemporâneo, há indícios de aparecimento de um novo fascismo (o protofascismo) conforme apontamos no início desse artigo, projetando uma nova Auchwitz, ou outros novos movimentos movidos pelo ódio, que obrigam os diferentes a pregar no peito ou na alma suas ideologias tresloucadas, símbolos e atitudes de intolerância e de opressão do mais forte sobre os fracos.

Infelizmente, o fascismo, nazismo e o racismo estão entre nós sob inocentes disfarces. (Já o terrorismo, pela sua própria natureza e modo cruel de expressão é de origem perversa e narcisista, gostando de se expor os seus efeitos e fetiches visando obter gozos "loucos" com o sofrimento dos outros).

Contra o protofascismo, o nazismo, o racismo e o terrorismo resta-nos mais que nos defendermos, rápida e eficazmente, desmascará-los, desmantelar sua armação homicida e suicida, que pode aparecer em qualquer momento e em qualquer parte do mundo. Nossa senha deve ser: "não esquecer, resistir, denunciar e sobretudo apostar na VIDA, sempre!!!".

Raymundo de Lima

Revista Espaço Acadêmico http://www.espacoacademico.com.br/

domingo, 11 de abril de 2010

Por que, no voto, emoção pesa mais que a razão?

artigo publicado na folha de são paulo por Hélio Schwartzmann

Como o eleitor escolhe seus candidatos? A resposta, já há tempos intuída por políticos e marqueteiros e que agora ganha apoio da neurociência, é que, na definição do voto, emoções são significativamente mais importantes que a razão.


Experimentos conduzidos nos EUA pelo psicólogo Drew Westen mostram que, com base apenas em questionários de cinco minutos sobre os sentimentos das pessoas em relação a certos temas, é possível prever com 80% de acuidade a resposta que elas darão a perguntas bastante precisas, como "o presidente mentiu ou disse a verdade?", "a Constituição autoriza ou não a adoção da medida proposta pelo governo?".

Enriquecer esse modelo com conteúdos mais propriamente racionais, considerando também informações sobre a situação em que o presidente teria mentido, por exemplo, tem impacto negligenciável nas previsões, que ganham apenas entre 0,5 e 3 pontos percentuais de precisão. Em outras palavras, a realidade é só um detalhe para o eleitor, que raramente muda sua opinião em virtude de fatos que lhe sejam apresentados.

As implicações dessas descobertas, que vão ganhando atenção crescente dos departamentos de psicologia e ciência política nos Estados Unidos, não são triviais. Se o voto não é o resultado de uma escolha racional e ponderada do cidadão -e poderia, em princípio, ser substituído por um teste de personalidade-, a ideia da democracia representativa continua a fazer sentido?



Livros

Questões como essa estão bem sistematizadas em dois livros lançados nos EUA. Em "The Political Brain" (o cérebro político), de 2007, Westen, hoje na Universidade Emory, dedica 500 páginas a recapitular experimentos que esmiúçam o comportamento do eleitorado e a mostrar as estratégias que costuma dar certo em campanhas.

No outro, "The Political Mind" (a mente política), o linguista e cientista cognitivo George Lakoff usa 300 páginas para explicar por que os cérebros de conservadores e progressistas funcionam de forma diferente (e inconciliável).

Mirando alto, Lakoff, hoje na Universidade da Califórnia em Berkeley, aproveita o livro para advogar pela fundação de um "novo iluminismo", no qual a razão deixaria de ser idealizada como uma máquina de calcular objetiva e desapaixonada e passaria a ser considerada como o que de fato é: um processo bem menos razoável, no qual 98% das "decisões" ocorrem inconscientemente e sob influência de emoções que nem sequer desconfiamos possuir.



"Frames"

O cérebro político pensa em termos de "frames" (enquadramentos) e metáforas. Podemos chamar um grupo armado que lute por uma causa determinada de "terroristas" ou de "combatentes da liberdade". E isso faz toda a diferença.

"Frames" são mais que etiquetas ideológicas que pregamos a objetos. A capacidade dos neurônios de se conectar em redes que podem ser ativadas por contiguidade semântica faz com que as palavras escolhidas tenham o dom de comunicar sentimentos. Sem nos dar conta, sempre que lemos a palavra "terror", sensações de angústia e medo são acionadas. De modo análogo, a palavra "liberdade" dispara estímulos positivos.

Experimentos de Westen mostraram que a ativação dessas redes, embora inconsciente, influencia fortemente as nossas decisões.

Assim, os embates políticos não se resolvem tanto no plano das propostas, mas principalmente das narrativas que partidos e postulantes escolhem para contar suas histórias e transmitir seus valores. Devem constituir uma história fácil de contar e que fale ao cérebro emocional do eleitor.

Especialmente para Lakoff, metáforas são muito mais que um recurso linguístico para explicar ideias. Elas são a matéria-prima do pensamento e têm existência física no cérebro. Pares de ideias frequentemente disparadas juntas acabam se consolidando numa rede neuronal que se torna mais forte à medida em que vai sendo mais utilizada.

Sempre que uma conexão é ativada, ela inibe o acionamento de redes alternativas que possam existir. O viés do militante em favor de seu partido não é necessariamente mau-caratismo (veja quadro). Ele de fato percebe o mundo de forma menos objetiva.



Moderação

A questão que fica é: a democracia ainda para em pé? Num quadro em que as decisões dos eleitores são principalmente fruto de uma combinação de propaganda subliminar com estímulos consolidados ao longo dos primeiros anos de vida, faz sentido determinar o destino da nação através do voto?

A resposta é afirmativa. Antes de mais nada, nem todo mundo é um militante radical e nem todas as questões debatidas são politicamente explosivas. Um número significativo de pessoas não é tão veemente em suas convicções políticas e adota visões de mundo ora conservadoras, ora progressistas dependendo do assunto. É em geral esse contingente que acaba definindo o resultado de eleições. Não deixa de ser uma virtude da democracia que os destinos de um país sejam definidos pelos mais moderados.

Outro ponto é que, embora seja difícil contornar conexões neuronais já consolidadas, não é impossível. Discursos que ofereçam "frames" alternativos e explicitem os processos mentais em operação podem levar o eleitor a mudar de ideia, constituindo uma forma legítima de persuasão política.

Apesar de as democracias modernas terem sido concebidas por filósofos iluministas que as moldaram segundo uma concepção de razão que hoje sabemos falsa, o fato é que há mais de 200 anos elas vêm se mostrando um sistema bastante funcional, capaz na maioria das vezes de autocorrigir-se.