quarta-feira, 24 de março de 2010

Freud e Einstein trocam cartas sobre guerra e paz

Eis o link prometido aos alunos interessados em conhecer o diálogo epistolar entre Freud e Einstein:
http://www.scribd.com/doc/7182942/Einstein-e-Freud-Por-Que-a-Guerra-Cartas
Boa leitura.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Universidades punidas pelo MEC

Falha no cumprimento de exigências referentes à especialização e à carga horária de professores leva ministério a impedir a abertura de vagas e cursos pelas instituições

Quatro universidades particulares do país, duas delas de Minas, estão impedidas de criar cursos e aumentar o número de vagas. A suspensão foi determinada pelo Ministério da Educação (MEC), em portaria publicada esta semana no Diário Oficial da União (DOU). Segundo o MEC, as instituições de ensino não cumpriram ou não informaram, dentro do prazo estabelecido pelo governo federal, os percentuais mínimos exigidos de professores com dedicação em tempo integral e com títulos de mestrado e doutorado no corpo docente.
A medida cautelar atinge a Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura (Fumec) e a Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac), ambas de Minas Gerais; a Universidade Salgado de Oliveira (Universo), do Rio de Janeiro; e o Centro Universitário Luterano de Manaus. Segundo o MEC, a portaria suspende a autonomia das instituições enquanto corre o processo, o que significa que elas ficam impedidas de criar cursos e ampliar o número de vagas sem a autorização do ministério. Conforme o Estado de Minas noticiou, em julho do ano passado, a Secretaria de Educação Superior do MEC havia notificado 35 instituições de ensino superior por irregularidades na composição do corpo docente.
Esses estabelecimentos tiveram prazo para cumprir a exigência da legislação, que obriga a manutenção de um terço dos professores em regime de tempo integral e um terço deles com títulos de mestres e doutores. Como a determinação não foi cumprida até o início deste ano, quando o prazo foi encerrado, o MEC abriu processo para suspender a autonomia das universidades. A partir de agora, as instituições terão prazo de 15 dias, a contar da data da notificação, para apresentar defesa. ARGUMENTOS A Universidade Fumec esclareceu, por meio de nota, que já cumpre a exigência do MEC com relação ao seu corpo docente e que está agora buscando a atualização do cadastro junto ao ministério. A instituição, no entanto, não informa o número exato de mestres e doutores e de professores em regime de tempo integral, sob o argumento de que está em “processo de atualização das informações”. Já a Unipac garantiu que a situação estará regularizada até julho. Segundo a assessoria de imprensa, o percentual mínimo de um terço dos professores em regime de tempo integral ainda não está sendo cumprido e o problema se deve a transtornos no processo de migração da universidade da esfera estadual para a federal. O Estado de Minas também procurou a Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e o Centro Universitário Luterano de Manaus, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta.

artigo publicado em O Estado de Minas, 10/03/2010 - Belo Horizonte MG
por Glória Tupinambás

terça-feira, 9 de março de 2010

O direito Executado

(artigo de Gianni Carta publicado em Carta Capital http://www.cartacapital.com.br/app/index.jsp)

Na Europa, o homicídio legal foi abolido e discute-se a moratória global. EUA, China, Irã, Arábia Saudita e Paquistão respondem por 90% das execuções. Por Gianni Carta, de Genebra
Joaquín josé martínez, quatro dos seus 38 anos no corredor da morte em uma prisão na Flórida, abre um sorriso e comenta: “Hoje vejo alguns aspectos engraçados no dia em que fui preso, teve algo de hollywoodiano”.
Ao volante de seu carro esporte, no dia 28 de janeiro de 1996, Martínez rumava para a casa de sua ex-mulher para visitar as duas filhas. Ao parar em um farol vermelho, viu emergir de um automóvel de polícia à sua esquerda um oficial apontando-lhe um rifle. Como nos filmes, o policial grita: “Mãos ao alto!” Pela direita, outro policial ameaça atirar. “Desligue o motor do veículo!”, ordena. “Eu não sabia como reagir”, reconhece Martínez no 4º Congresso Mundial Contra a Pena de Morte, realizado em Genebra entre 24 e 26 de fevereiro.
Organizado pela associação francesa Ensemble Contre la Peine de Mort (ECPM), cofinanciada pela Confederação Suíça em parceria com a Coalizão Mundial Contra a Pena de Morte, atraiu jornalistas e militantes eloquentes como Bianca Jagger. Magistrados e autoridades políticas também compareceram, inclusive o premier espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Coube a este, atual presidente da União Europeia, anunciar a criação de uma comissão internacional para obter a moratória global sobre execuções até 2015. A proposta provocou comentários carregados de ceticismo, ainda que a iniciativa, claro, tenha sido bem recebida.
Martínez volta a descrever o dia de sua prisão: “Se eu desligasse o motor do carro, como ordenara um dos policiais, o da esquerda me mataria ao deixar de ver minha mão, e vice-versa”. Àquela altura, dezenas de policiais apontavam, de suas- viaturas, suas armas para Martínez, cidadão espanhol detentor de um green card. Sobre a sua cabeça, um ziguezague ruidoso de helicópteros, com câmeras de tevê a capturar as imagens do suposto assassino do filho do xerife da cidadezinha de Brandon, traficante de drogas, e de sua companheira, uma profissional do strip-tease. O filho do xerife levou oito tiros e sua namorada, 33 facadas na nuca.
“Eu tinha 24 anos e vivia o chamado american dream”, conta Martínez, morador de Nova York desde menino, quando emigrou da Espanha com os pais. Em Miami conseguira comprar o carro esporte, administrava a sua própria empresa, firmara o namoro. “No momento em que eu era detido me perguntava qual era o motivo para eu ter virado alvo de tantos policiais.”
A acusação, soube mais tarde, era de duplo homicídio. As provas: o filho do xerife trabalhara em uma empresa onde Martínez também fora funcionário e suas -duas armas (Martínez tinha porte) eram do calibre da usada para matar o traficante de drogas. Martínez nem sequer conhecera o filho do xerife.
Mas o que complicou de vez a vida do espanhol foi o testemunho de Sloane, sua ex-mulher. Sloane garantiu ao xerife que seu ex-marido era o assassino procurado, versão fundamental para sustentar a condenação à pena de morte no primeiro julgamento, além de ter servido para detonar a operação de captura. Um fato teria deixado Sloane muito “irritada”, recorda Martínez. “Logo após o nosso divórcio, ela telefonou para meu celular e eu atendi na Disney World, onde estava com minha namorada.”
Três telefonemas de Sloane ao ex-marido foram registrados com o objetivo de obter a sua confissão. As conversas, todas inaudíveis, foram enviadas ao FBI. O serviço secreto também não conseguiu flagrar o reconhecimento de culpa de Martínez.
O próprio xerife forjou uma transcrição, apresentada ao júri em 2007, na qual Martínez supostamente confessava para a ex-mulher os dois assassinatos. Para turvar ainda mais o cenário, alguns prisioneiros testemunharam que Martínez lhes teria confiado a responsabilidade do homicídio duplo.
Martínez saiu do tribunal, diante das duas- filhas aos prantos, para o corredor da morte. Seu objetivo era questionar a “regularidade do processo”, uma noção crucial na legislação americana. Recorrer a um novo processo nos EUA é “muito difícil”, explica o senador francês Robert Badinter, conferencista no congresso em Genebra e ministro da Justiça de François Mitterrand, responsável pelo fim da pena de morte na França, em 1981. “Na verdade, todo o sistema judiciário americano revela-se uma verdadeira máquina de produzir condenados à morte”, anota Badinter em Contre la Peine de Mort (Fayard, 2006, 313 págs., 6,50 euros).
Antes de ser examinados pelo sistema judiciário, “suspeitos” negros, hispânicos e de outras minorias têm, nos EUA, mais chances de terminar atrás das grades ou condenados à pena capital. Em casos de pena de morte nos EUA, jurados podem ter preconceito racial. Ou o júri pode não representar a composição étnica da comunidade onde o acusado está sendo julgado. Esse, por sinal, foi o caso de Mumia Abu-Jamal, o ex-jornalista e militante negro acusado de ter matado o policial Daniel Faulkner. Abu-Jamal foi julgado por dez jurados brancos e apenas dois negros, em plena Filadélfia, onde 40% da população é negra. O militante foi condenado à morte em 1982 e tornou-se uma figura emblemática do movimento contra a pena de morte, sempre negando ter matado o policial.
O jornalista Dave Lindorff, autor de um livro sobre Abu-Jamal, enfatiza outro detalhe relevante: jurados potencialmente contrários à pena de morte não podem compor o júri. A legislação -americana somente aceita aqueles “qualificados a julgar”. Mas o advogado do diabo não poderia argumentar que alguns desses “qualificados” teriam uma prévia inclinação para mandar alguém para a cadeira elétrica? E se tiverem preconceitos raciais, essa chance de pôr fim na vida de alguém não aumentaria?
Outra falha do sistema penal americano tem raízes nas classes sociais dos suspeitos. Quanto mais dinheiro o acusado tiver, maiores as chances de obter uma defesa sólida. Mas, como lembra Badinter, a maioria dos condenados à pena capital é formada por excluídos da sociedade, cuja defesa é de responsabilidade de um advogado remunerado pelo Estado. Segundo Badinter, em 1999, um advogado do Alabama recebia 2 mil dólares em honorários para defender uma pessoa “passível da pena de morte”. No Mississippi, o quadro era pior: 12 dólares por hora. Na maioria dos casos, diz o jurista, esses advogados mal conhecem o dossiê de seus clientes.
Como diz Martínez, “a pena capital é para quem não tem capital”. Seus pais, contudo, levantaram 1 milhão de dólares na Espanha para a sua defesa. Seu advogado provou a falsidade das fitas inaudíveis, onde Martínez confessava ter matado o traficante de drogas e sua companheira. A transcrição apresentada pelo xerife, ficou evidente, havia sido forjada.
Para a libertação de Martínez, em 7 de junho de 2001, foi mais importante o fato de sua ex-mulher ter feito um depoimento a seu favor. E os presos terem enviado cartas para a Suprema Corte, admitindo que teriam sido cooptados pelo oferecido de penas mais curtas se incriminassem Martínez. Ao mesmo tempo, a pressão colocada sobre o governo da Flórida foi maciça: o governo espanhol, a União Europeia, o Parlamento italiano e até o papa João Paulo II saíram em sua defesa.
Desde 1973, 131 mulheres e homens escaparam dos corredores americanos por terem sido inocentados. Mas quantos exe-cutados eram inocentes? Quantos morreram nos 35 estados onde a pena de morte vigora? E quantos culpados continuarão livres? “O sistema judiciário tem o direito de matar e assim cometer o crime que supostamente tem de proibir ou punir?”, pergunta Arnaud Gaillard, coordenador do congresso.
Atualmente, um terço dos Estados do planeta aplica a pena de morte. Além dos EUA, há mais 57 Estados ditos retencionistas, aqueles contrários à abolição do homicídio legal. Segundo a ECPM, em 2008, cerca de 90% das execuções recenseadas haviam ocorrido em cinco países: EUA, China, Irã, Paquistão e Arábia Saudita.
O único país transparente em relação ao número de execuções são os Estados Unidos, com 37 mortos. Dados checados pela Anistia Internacional e pela Dui Hua Foundation colocam o número de executados na China entre 1,7 mil e 6 mil. A China é, portanto, campeã em número de execuções.
Baseado em Pequim, o advogado Jiang Tianyong comenta: “A pena de morte é o maior instrumento de repressão política, mas o governo também o utiliza como instrumento social”. Segundo algumas ONGs,- a pena capital teria ocorrido por meio de injeções aplicadas em ônibus nas províncias chinesas, e órgãos dos mortos teriam sido extraídos e comercializados.
Após as duvidosas eleições no Irã, em junho de 2009, dois manifestantes foram enforcados no fim de janeiro. Outros nove aguardam as suas sentenças. A iraniana Shirin Ebadi, premiada com o Nobel, lembrou que, após a Revolução Islâmica, os líderes modificaram as sentenças de morte “para também serem aplicadas aos menores”. Assim, o Irã é campeão no número de mortes de menores, superando, em segundo lugar, a Arábia Saudita.
Nas terras de Ahmadinejad, mais de 50 crimes e delitos são passíveis da pena de morte. Uma simples reincidência no consumo de álcool pode conduzir ao homicídio legal. O apedrejamento público de mulheres adúlteras é comum, e um saco é colocado na cabeça das mulheres enterradas até o busto. As pedras são de tamanho médio, para a morte não ser muito rápida nem demasiadamente lenta. Várias dessas adúlteras são forçadas pelos maridos a se prostituir.
Abolicionistas da pena de morte oferecem argumentos sólidos para uma moratória global, com base na resolução adotada em 18 de dezembro de 2007 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. À parte o direito fundamental à vida, dois outros temas foram debatidos em Genebra. Primeiramente, não há evidência científica de que a pena de morte tenha poder dissuasivo sobre futuros atos criminosos. Pelo contrário, a pena de morte nutre uma “sociedade militarista”, nas palavras do jornalista Lindorff.
Segundo ponto: o custo da pena de morte é muito superior ao da prisão perpétua. John van de Kamp, ex-procurador federal na corte da Califórnia, explica que no seu estado o Tesouro público gasta anualmente 137 milhões de dólares em -custos de procedimentos para 670 homens e mulheres aguardarem nos corredores da morte – um recorde no país. Quando o homicídio legal é substituído pela prisão perpétua, o custo anual desaba para cerca de 11 milhões de dólares. O motivo? Os procedimentos criminais para levar adiante o castigo supremo são muito mais complexos. E podem durar até 25 anos.
Com um déficit público de 20 bilhões de dólares, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, tem freado o número de execuções, a despeito do seu histórico nas telas de cinema. Van de Kamp entende que é difícil colocar a questão econômica antes da moral no caso da abolição da pena de morte. Mas ele justifica: “Uso todos os argumentos possíveis. E o econômico parece surtir grande efeito entre aqueles favoráveis à pena capital nos EUA”.
O ex-procurador fornece outro dado interessante. Segundo pesquisas, 65% dos americanos são favoráveis à pena capital. Mas nem sempre: eles seriam contra mediante a garantia de o detido por homicídio cumprir prisão perpétua sem direito à liberdade condicional. Um repórter comenta: “Isso diria alguém a favor da pena de morte, caso não matassem alguém da sua família”. Van de Kamp rebate: “O olho por olho resulta em cegueira”.
Bill Pelke, membro do comitê Murder Victims Families for Human Rights (Famílias de Vítimas de Assassinato pelos Direitos Humanos), antes a favor da pena capital para Paula Cooper, uma menina de 15 anos responsável pela morte de sua avó, passou a pregar compaixão aos condenados. “A morte de um assassino perpetua a violência, e não é a cura para o sofrimento. A cura é saber perdoar.”
Em uma entrevista exclusiva, pergunto a Martínez se ele sente raiva de sua ex-mulher, por tê-lo colocado no corredor da morte. “Não, falo com ela todas as noites, é a mãe de minhas duas filhas.” E do sistema judicial americano, não tem raiva? “Sinto-me traído.” É muito fácil você se sentir americano, continua ele, mostrando o seu green card. “Eis aí a bandeira americana, o hino. E o meu american dream, que estava se tornando realidade. De repente, tudo desaba.” Por que, pergunto para encerrar a conversa, ele vive hoje novamente na Espanha? “Sinto-me mais seguro aqui.” A Europa, como sabe Martínez, é a única região do mundo onde a pena de morte foi abolida.

domingo, 7 de março de 2010

Brasil: automenosprezo e racismo

O racismo brasileiro fundamentou, e ainda fundamenta, o automenosprezo de segmentos da população, que imaginam o país como inferior e sem solução. As elites adoram e disseminam este sentimento, que é fortemente conservador e útil aos propósitos dos mais ricos e poderosos.


Luís Carlos Lopes

Ao contrário de vários povos, o brasileiro tem a mania de se automenosprezar, de se achar menor e de assumir culpas de fatos e problemas que não são seus. Se há corrupção, é que todos seriam corruptos. Facilmente, deslizes pequenos cometidos pelos pobres são comparados aos atos deliberados agentes de Estado e de ladrões engravatados (empresários) que enriquecem com o dinheiro público. Segundo este vício terrível, os brasileiros seriam menores por terem origem nos negros africanos, nos índios das Américas e nos portugueses, vindos para cá para roubar. O caráter nacional da população desse país teria nascido torto e sem solução. Por compensação, os habitantes do Brasil teriam uma natureza geográfica exuberante e, Deus, de fato, seria nascido aqui.

Estas afirmações não são tão difíceis de serem compreendidas. Observe-se que nelas há uma tentativa de ocultar o que é possível ver a olho nu. A autofagia brasílica tem origem colonial, foi refundada no Império e reafirmada na República. Nela, se misturam o olhar do colonizador e criador dos fundamentos culturais dominantes do país com o dos colonizados que se miraram no espelho dos que vieram para cá e se apossaram deste pedaço das Américas. Nesta visão, tudo de bom era o que vinha de fora, aqui era o lugar para acumular riquezas de modo fácil e usar dos lucros para comprar as mercadorias do além-mar.

Os racismos antinegros e anti-ameríndios têm a idade do início da colonização, logo, cinco séculos. A inferiorização das maiorias foi estendida aos seus descendentes, gerando um sentimento de menoridade e incapacidade até mesmo nas elites mestiças. Este modo de ver o mundo deixou raízes profundas e se escamoteou em vários modos de dizer que os brasileiros eram um povo de segunda classe. Jamais isto foi inteiramente superado, persistindo de algum modo até o século XXI. O modo de falar isto já não é o mesmo do passado. Mas, o racismo continua presente em fontes insuspeitas, por exemplo, nas emissões da tv aberta. Nelas, os índios praticamente não existem e os negros, apesar de serem a maioria dos habitantes do Brasil, têm apenas uma cota informal, conseguida com bastante dificuldade e muito recentemente.

O pano de fundo de tudo isto foi os quatro séculos de escravidão dos afrodescendentes que embutiram os esquecidos dois séculos de cativeiro dos nativos. Mesmo com a escravidão em crise na segunda metade do XIX, quem eram os que não eram escravos? Os imigrantes europeus que aportaram no Brasil, aqui encontraram condições de vida bem próximas as da escravidão. Como nos EUA coloniais, usou-se, com eles, o sistema de servidão por contrato. Neste, os que vinham estavam sempre devendo aos fazendeiros e as empresas que os traziam. Os escravos alforriados na mesma época, deviam quase sempre obrigações aos seus ex-senhores. Não eram mais escravos de direito, mas continuavam próximos à situação de escravos de fato. A abolição legal da escravidão (1888) representou uma importante mudança. Entretanto, os estoques de populações originárias do passado escravista continuaram a ser discriminados, até mesmo pelos imigrantes brancos que vieram substituí-los, progressivamente, desde o governo do Pedro II.

O racismo brasileiro fundamentou, e ainda fundamenta, o automenosprezo de segmentos da população, que imaginam o país como inferior e sem solução. As elites adoram e disseminam este sentimento, que é fortemente conservador e útil aos propósitos dos mais ricos e poderosos. Felizmente, desde há muito, há quem não concorde com nada disto e lute para dizer o óbvio. O Brasil é um país como outro qualquer. Do ponto de vista moral, não é menor e nem maior. Seu povo tem qualidades e defeitos, como qualquer outro. O que existe aqui pode ser modificado para melhor ou para pior, dependendo de quem estiver no poder e do comportamento dos governados.

Oficialmente, o país não é mais racista. Desde a era Vargas, o Estado foi abandonando pouco a pouco uma postura discriminadora. Trocou o racismo escancarado do Império e da República Velha pelo mito questionável e problemático da democracia racial. O fazer político precisava de se organizar, isto é, os governantes necessitavam inventar um povo de governados. Precisava se dirigir diretamente à maioria da população, tal como Vargas o fazia: “Trabalhadores do Brasil...”. A mestiçagem foi considerada um bálsamo, sem que o velho racismo desaparecesse por completo. Afastado de uma militância estatal ostensiva, ele se refugiou nas estruturas sociais, dando um jeito de se manter. Memoráveis lutas antiracistas fizeram o combate a esta ideologia, nos últimos cinqüenta anos. Entretanto, apesar de cada vez mais acuado, denunciado e criminalizado, o racismo continua presente no cotidiano brasileiro.

Ninguém mais tem a coragem de dizer publicamente que os negros, os índios e os mestiços são povos inferiores. Mas, eles continuam tendo níveis de segregação facilmente constatáveis nos dados que indicam que eles são os que: são mais pobres; mais estão presentes nos presídios; são os maiores números de desempregados; enfrentam piores condições de vida; têm suas histórias sonegadas no ensino de qualquer nível; menos aparecem nas grandes mídias.

Há exceções importantes. No futebol, a negritude e a mestiçagem brasileiras são celebradas como gênios da raça. No carnaval, como diz o poeta, “napoleões retintos”, desfilam para os brancos do Brasil e do mundo, encantando as audiências e escondendo uma dura realidade. Nos últimos anos, foram possíveis o aparecimento e desenvolvimento de classes médias negras, ávidas para consumir e se diferenciar. O que continua como dantes é a ignorância sobre as histórias dos povos de origem africana que aqui aportaram e, ainda mais forte, o silêncio sobre a história das populações indígenas encontradas pelos portugueses no século XVI. Os jovens sabem bastante sobre as últimas novidades de consumo midiático e tecnológico. Nada, ou quase nada, conseguem alcançar sobre suas origens. Mesmo que na Internet exista bastante informação sobre estas coisas. O problema é que elas são raramente acessadas e são rarefeitas e pulverizadas no universo comunicacional caótico do tempo presente.

Luís Carlos Lopes é professor e autor do livro "Tv, poder e substância: a espiral da intriga", dentre outros

segunda-feira, 1 de março de 2010

Travestis e transexuais poderão usar nome social nas escolas públicas de Alagoas

Carlos Madeiro

Especial para UOL Educação

Em Maceió

Travestis e transexuais de Alagoas terão direito a utilizar o nome social nas escolas públicas do Estado. A mudança passa a vigorar, de fato, quando for publicada no Diário Oficial, o que deve acontecer nesta semana.
A medida foi aprovada pelo CEE (Conselho Estadual de Educação) na última terça-feira (23). O pedido foi feito pela ONG Pró-Vida LGBT em janeiro de 2009. Após esse período de análise, os conselheiros decidiram garantir a travestis e transexuais o direito de serem chamadas pelo nome feminino que adotam socialmente -- e não o masculino da certidão de nascimento.
Relatora do processo no CEE, Bárbara Deodora acredita que o respeito à diversidade sexual é um passo crucial para garantir a inclusão dos homossexuais nas escolas. "A homofobia priva os travestis do direito básico à educação e provoca isolamento. Ser reconhecido pelo nome social devolve o direito à cidadania", disse.

Pela decisão, o nome social de travestis e transexuais deve ser inserido nos documentos internos, como cadernetas escolares e provas, com exceção apenas do histórico escolar e do diploma - que devem conter o nome original e uma referência ao nome social.
Para solicitar a mudança, basta fazer a solicitação por escrito. No caso de menores de 18 anos, o pedido deve ser feito pelos pais ou responsáveis.

Crescimento da violência

A medida chega em momento de crescimento da violência contra homossexuais no Estado. Segundo um levantamento do Grupo Gay da Bahia, o Alagoas liderou o ranking de assassinatos em janeiro, registrando cinco das 13 mortes do país no primeiro mês de 2010. No ano passado, o Estado registrou 12 crimes, ficando - proporcionalmente - entre os cinco mais violentos do país.
Para o diretor da ONG Pró-Vida LGBT, Dino Alves, a mudança aprovada pode ajudar a reduzir as mortes tirando travestis e transexuais da exclusão social. "Por que eles não têm acesso ao mercado de trabalho? Porque falta qualificação, que depende do ensino básico. Ou seja, [com essa medida] reduz a situação de vulnerabilidade", ressaltou.
"Essa decisão é marco histórico. Mas é importante dizer que, enquanto esse projeto tramitava no Conselho, outros estados aprovaram medida semelhante e as colocaram em prática", disse. Para ele, a decisão demorou "muito".
Alves conta que percebeu o problema ao analisar a pouca frequência escolar de travestis e transexuais. "Eu sentia a dificuldade deles nas escolas. Quando era anunciado o nome na chamada, se tornava motivo de gozação. No banheiro, os meninos sempre tinham a história de que os travestis e transexuais iam lá para ficar vendo os pênis deles. Já as meninas inventavam que elas tinham AIDS. Ou seja, um ambiente de preconceito que levava à desistência", explicou.

Preconceito leva à evasão

Depois de muito se esconder, a estudante do segundo ano do ensino médio, Bianca Lima, conseguiu ser chamada pelo nome social na escola Maribondo, na periferia Maceió. Mas, para vencer o preconceito e convencer diretores, professores e colegas, foram necessários diálogo e insistência.
"Tenho 26 anos e não conclui o ensino médio antes por conta do preconceito, das humilhações que passava. Eu acabava desistindo de frenquentar as aulas", conta Bianca. "Agora, consegui, após muita discussão, convencer a me chamarem por Bianca."
Ela relembra que, por vários anos, abandonou a escola para fugir da gozação de colegas e até de professores. Curiosamente, o fato que mais lhe marcou veio de um homossexual: "Tive um professor que, apesar de ser gay, não aceitava me chamar pelo nome que adotei. O preconceito existe dos homossexuais também, porque sou um gay que me visto de mulher", disse.
Com a determinação, Bianca diz que vai enfrentar menos preconceito. "Não vou mais precisar ficar convencendo as pessoas na chamada para dizer meu nome social. Será obrigatório. Não vou mais me preocupar em descobrirem meu nome na escola e ficarem fazendo brincadeiras preconceituosas. Com a medida, já penso até em mudar para uma escola mais próxima de casa. Agora vou enfrentar apenas o preconceito fora da escola", afirmou Bianca.