segunda-feira, 18 de maio de 2009

O transporte público e o movimento passe livre

Os textos a seguir se encontram no Jornal Passe, No 1, publicado pelo movimento passe livre:

Carta aberta à população, aos movimentos sociais e ao poder público da cidade de São
Paulo:
Atualmente inúmeras notícias nos alertam sobre os sucessivos recordes de congestionamentos na cidade de São Paulo, gerando uma grande discussão na mídia sobre as condições de circulação e transporte da metrópole. A questão do número excessivo de automóveis e da ineficácia dos transportes coletivos urbanos está novamente em evidência. O grande número de notícias veiculado faz com que esse tema se torne freqüente nas declarações dos candidatos à
prefeitura. Cada um deles, como sempre, apresenta uma pequena gama de análises e propostas para a resolução da “crise” deste setor. Propostas que mais parecem jargões obrigatórios contra o trânsito demasiado e suas já sabidas conseqüências: engarrafamentos que geram prejuízos por conta da circulação ineficiente de mercadorias, stress nas pessoas envolvidas diretamente com as filas e os ônibus e metrôs lotados e a emissão de gases poluidores afetando o meio ambiente.
Nós, do Movimento Passe Livre, consideramos que há uma lacuna fundamental nos debates travados até aqui por grande parte dos políticos e da mídia: ignorar os interesses, as necessidades e os direitos da ampla maioria da população que precisa do transporte coletivo para realizar as tarefas cotidianas de trabalho, estudo e lazer. O transporte é fundamental para toda a estrutura da cidade, para a organização da vida urbana e do espaço urbano. Acreditamos que a
garantia do acesso e da mobilidade da população pela metrópole não pode ficar restrita apenas àqueles que compram seus carros ou que podem pagar pelas altas tarifas dos transportes coletivos urbanos. Além disso, afirmamos que os investimentos em metrô e novos corredores
para ônibus são medidas importantes. Mas, por si só, não bastam – já que não mudam a lógica atual pela qual o transporte é organizado. Defendemos que apenas a mudança total e radical da lógica de circulação na cidade, com garantias plenas à Mobilidade Urbana diária de todas as pessoas, é que será capaz de questionar e reverter o atual modelo de transportes – para que este não seja pautado pelos interesses exclusivos da circulação de mão-de-obra/ força-de-trabalho ou pelos lucros dos empresários de transporte coletivo. Apresentamos a seguir as nossas reivindicações e propostas, pelas quais lutaremos.
1. Transporte coletivo gratuito
O transporte coletivo é um direito elementar, que entre outras coisas deveria garantir o acesso aos demais direitos elementares, como a saúde e a educação. Deveria, mas infelizmente não garante, porque, da forma como é apresentado à sociedade, o transporte coletivo é uma mercadoria, um grande negócio que tem servido para enriquecer grupos empresariais e reproduzir seus interesses políticos no nível da municipalidade.
Entre 1997 e 2002 aumentou de forma notável, entre aqueles que têm renda de até dois salários mínimos, o número de pessoas que se deslocam a pé (de 57% para 62%). O percentual de pessoas que utilizam ônibus e metrô, na mesma faixa de renda, caiu fortemente nesse período. Está claro para nós que os transportes coletivos urbanos são um serviço público essencial, e que nessa condição devem caminhar rumo à gratuidade total e universal, subsidiada
pelo poder público. A fim de que isso seja possível, lutamos para que, em vez de os usuários e as usuárias de ônibus pagarem tarifas, as parcelas mais ricas da cidade devem arcar com o custo do transporte, através de impostos progressivos, já que possuem mais recursos que o restante da população.
2. Municipalização dos transportes Nossa proposta é que o poder público assuma para si, retirando do âmbito privado das empresas de ônibus, o planejamento e a execução da gestão dos
transportes coletivos. A regulação hoje exercida pela SPTRA NS é insuficiente: os empresários de ônibus continuam garantindo apenas seu próprio bemestar pressionando a empresa pública, que não é capaz de uma resposta em defesa dos interesses da população. A retirada completa de ônibus e lotações das ruas no meio do dia, em meio aos turbulentos acontecimentos de 2006
atribuídos ao PC , deixou grande parte da população por conta própria, pois os empresários não quiseram colocar seu patrimônio em risco. Somente uma gestão pública dos transportes, com a efetiva participação da população que está diretamente ligada ao transporte (usuários e trabalhadores) garantirá um transporte público voltado aos interesses coletivos.
3. Combate à cultura do automóvel Observamos que a procura permanente pelas saídas individuais, sintetizada na lógica do carro e da moto, é inviável do ponto de vista social, ambiental e espacial. Vemos que a cidade atualmente é completamente hegemonizada pelos automóveis particulares – para os quais todo o espaço de circulação é dirigido: eles têm prioridade em relação aos pedestres, ciclistas e transportes coletivos. As vias e pontes ocupam boa parte da extensão da cidade. Além disso, grandes porções do centro de São Paulo são tomadas exclusivamente por estacionamentos particulares. O poder público privilegia o transporte
individual, quando concentra grandes investimentos em vias, pontes, túneis – representando um gasto pesado no orçamento municipal que somente beneficia os usuários de automóveis particulares. Assim, em vez de o poder público investir na melhoria das condições do transporte coletivo, suas ações estão prioritariamente endereçadas no sentido de promover e reforçar a
cultura do automóvel. Pensamos que, com todos os seus defeitos e suas tentativas de iludir o povo organizado, o período eleitoral pode ser utilizado para que a população leve
seriamente este debate às suas últimas conseqüências. Para se organizar e conquistar esse direito negado. E fazer com que os futuros administradores da cidade saibam do que ela, a população, precisa e é capaz de lutar para obter. No entanto, o debate continua sendo travado num horizonte curto. As necessidades da população seguem ocultadas nesse processo. O ponto de partida, que é a liberdade e o direito de ir e vir para todos os cidadãos, não
é levado em consideração a fundo. E o sistema de transporte continua sendo pensado a partir da lógica do equilíbrio financeiro, ou seja, do lucro. Alertamos, por fim, que a construção deste projeto apenas no campo da política institucional é insuficiente. Por esse motivo, os movimentos sociais e a população organizada devem criar seus próprios projetos e intervir na cidade
em que vivemos. No entanto, mais do que isso, acreditamos que somente com a articulação entre os diversos movimentos sociais urbanos e rurais, na luta conjunta e no apoio mútuo, é que conseguiremos obter o que reivindicamos: Transporte, Moradia, Renda, Educação, Cultura, Reforma Agrária e Urbana.

Movimento Passe Livre São Paulo, setembro de 2008
mpl-sp@riseup.net

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