"Consideremos este ponto e digamos o seguinte: “Ou Deus existe ou não existe.” Mas qual das alternativas devemos escolher? A razão não pode determinar nada: existe um infinito caos a nos dividir. No ponto extremo desta distância infinita, uma moeda está sendo girada e terminará por cair como cara ou coroa. Em que você aposta?"
Blaise Pascal, Pensamentos (edição póstuma, 1844)
Blaise Pascal, Pensamentos (edição póstuma, 1844)
A atualidade do de Pascal argumento segundo um teólogo
A aposta de Pascal
O matemático, físico e filósofo Blaise Pascal (1623-1662), um dos pensadores mais exemplares dos desafios do pensamento moderno, depois de uma profunda experiência espiritual, escreveu uma "Apologia da Religião Cristã". Ela deveria responder às objeções da época de forma cabal e irrefutável. Não conseguiu seu intento, pois, muito doente, morreu com a idade de apenas 39 anos em 1662 em Paris. Deixou somente anotações e pensamentos dispersos que vêm sob o título "Pensées", "Pensamentos", apreciados até os dias de hoje.
Depois de tentar todo tipo de argumento em favor da fé, deu-se conta, de forma honrada, de que nenhum deles era cabalmente convincente. Foi então que forjou o famoso argumento da "aposta".
No parágrafo 233 de seus "Pensées", Pascal colocou a seguinte questão: "Deus existe ou não existe". Sustenta que a razão pode encontrar tanto argumentos a favor quanto contra a existência de Deus. Deste modo não se consegue determinar uma resposta convincente. Como sair desse impasse? É ai que Pascal afirma: "é necessário apostar". Você não tem escapatória porque, uma vez que suscitou a questão, você se encontra "embarcado nela", diz ele. A razão não sai humilhada pelo fato de ter que a apostar. A aposta apresenta a seguinte vantagem: "ou você tem tudo a ganhar ou você não tem nada a perder". Portanto, a aposta é racional.
Se você afirmar "Deus existe" e Ele de fato existe, você tem tudo a ganhar, a vida e a eternidade.Se você afirmar "Deus não existe" e Ele de fato não existe, você não tem nada a perder: o sentido da vida e eternidade eram meros devaneios. Então é racional, aconselhável e justo que você afirme "Deus existe" e assim você tem tudo a ganhar.
Qual á a atualidade da "aposta pascaliana" para os dias atuais? Culturamente a questão não é mais posta em termos de "se Deus existe ou não", mas em termos: Que futuro tem o planeta Terra e a vida se tomarmos a sério os alarmes dados recentemente por cientistas renomados? Há galáxias que engolem outras galáxias. Que sentido tem o universo que pela lei da entropia, inevitavelmente, caminha para a morte térmica? Tem sentido a vida humana depois da experiência dos campos de extermínio nazista e da tsunami do sudoeste da Asia? Tem sentido o destino das grandes maiorias submetidas à fome, a todo tipo de exploração, com crianças estupradas e mulheres submetidas à escravidão sexual?
Somos desafiados também a apostar: apostamos que apesar de todas as contradições, trabalha um sentido secreto no universo. Ele um dia vai se manifestar e será a suprema felicidade da criação e assim ganhamos tudo. A luz tem mais direito que as trevas. Ou então tudo não passa de absurdo e a felicidade é ilusória e acabaremos todos no pó cósmico e assim não perdemos nada quando deixamos de acreditar.
Vale então apostar, numa atitude de confiança e de entrega radical (é o sentido bíblico de fé) de que o mundo é salvável e o ser humano resgatável a ponto de descobrir a irmandade universal até com as formigas do caminho. Apostando nisso, teremos tudo a ganhar aqui e na eternidade.
Leonardo Boff, autor do artigo, é teólogo e escritor.
O matemático, físico e filósofo Blaise Pascal (1623-1662), um dos pensadores mais exemplares dos desafios do pensamento moderno, depois de uma profunda experiência espiritual, escreveu uma "Apologia da Religião Cristã". Ela deveria responder às objeções da época de forma cabal e irrefutável. Não conseguiu seu intento, pois, muito doente, morreu com a idade de apenas 39 anos em 1662 em Paris. Deixou somente anotações e pensamentos dispersos que vêm sob o título "Pensées", "Pensamentos", apreciados até os dias de hoje.
Depois de tentar todo tipo de argumento em favor da fé, deu-se conta, de forma honrada, de que nenhum deles era cabalmente convincente. Foi então que forjou o famoso argumento da "aposta".
No parágrafo 233 de seus "Pensées", Pascal colocou a seguinte questão: "Deus existe ou não existe". Sustenta que a razão pode encontrar tanto argumentos a favor quanto contra a existência de Deus. Deste modo não se consegue determinar uma resposta convincente. Como sair desse impasse? É ai que Pascal afirma: "é necessário apostar". Você não tem escapatória porque, uma vez que suscitou a questão, você se encontra "embarcado nela", diz ele. A razão não sai humilhada pelo fato de ter que a apostar. A aposta apresenta a seguinte vantagem: "ou você tem tudo a ganhar ou você não tem nada a perder". Portanto, a aposta é racional.
Se você afirmar "Deus existe" e Ele de fato existe, você tem tudo a ganhar, a vida e a eternidade.Se você afirmar "Deus não existe" e Ele de fato não existe, você não tem nada a perder: o sentido da vida e eternidade eram meros devaneios. Então é racional, aconselhável e justo que você afirme "Deus existe" e assim você tem tudo a ganhar.
Qual á a atualidade da "aposta pascaliana" para os dias atuais? Culturamente a questão não é mais posta em termos de "se Deus existe ou não", mas em termos: Que futuro tem o planeta Terra e a vida se tomarmos a sério os alarmes dados recentemente por cientistas renomados? Há galáxias que engolem outras galáxias. Que sentido tem o universo que pela lei da entropia, inevitavelmente, caminha para a morte térmica? Tem sentido a vida humana depois da experiência dos campos de extermínio nazista e da tsunami do sudoeste da Asia? Tem sentido o destino das grandes maiorias submetidas à fome, a todo tipo de exploração, com crianças estupradas e mulheres submetidas à escravidão sexual?
Somos desafiados também a apostar: apostamos que apesar de todas as contradições, trabalha um sentido secreto no universo. Ele um dia vai se manifestar e será a suprema felicidade da criação e assim ganhamos tudo. A luz tem mais direito que as trevas. Ou então tudo não passa de absurdo e a felicidade é ilusória e acabaremos todos no pó cósmico e assim não perdemos nada quando deixamos de acreditar.
Vale então apostar, numa atitude de confiança e de entrega radical (é o sentido bíblico de fé) de que o mundo é salvável e o ser humano resgatável a ponto de descobrir a irmandade universal até com as formigas do caminho. Apostando nisso, teremos tudo a ganhar aqui e na eternidade.
Leonardo Boff, autor do artigo, é teólogo e escritor.
A aposta de Pascal segundo um ateu
De acordo com Pascal, de um jeito ou de outro, todos nós jogamos dadinhos com Deus, mesmo ele não jogando dados com o Universo.
Pascal admitiu que é impossível “provar” que Deus existe – de fato, afirmou ele, a razão humana é incapaz de provar qualquer coisa com certeza. Isso daria a pensar que Pascal era agnóstico, mas não é verdade. Afinal, para ele, a principal pergunta residia no fato se convinha a alguém acreditar na existência de Deus, e sua resposta era que você seria tolo se não acreditasse. Ele tentou mostrar matematicamente que seria um péssimo negócio não acreditar em Deus.
A matemática que Pascal empregou trabalhava no campo das Probabilidades, que ele ajudou a inventar. Bom, no modo de ver de Pascal, a crença ou a descrença que você possa ter em Deus exige uma aposta.
Ora, se Deus existe e a “Sagrada Escritura” são verdadeiros, sua crença vai dar-lhe infinita felicidade após a morte. Se Deus não existe, tudo o que você teria a perder acreditando no dito cujo seriam os prazeres finitos de uma vida finita. Mesmo porque, ainda que as chances da existência de Deus fossem próximas de zero – Pascal sugere que elas estão perto de 50 % – a única coisa racional que você pode fazer é jogar o jogo, pois qualquer percentagem finita de infinito tende a ser infinita também, o raciocínio mediante este conceito mostra que você deve acreditar em Deus.
Indo pelo outro lado da moeda, se você se recusar a acreditar em Deus e estiver errado, você será condenado às penas infernais, pois será um pecador. E tomando por base que as probabilidades que isso aconteça são enormes, não restaria nada mais a você do que seguir Deus.
E claro que você poderia ainda resistir à razão, mas isso só aconteceria se você permitisse que seus desejos e paixões sufocassem o que você tem de melhor. De acordo com nosso amigo Pascal, os desejos podem ser controlados se você proceder como se acreditasse em Deus e participar de bons rituais cristãos. E se você se acostuma com isso, termina por descobrir que, largando seus hábitos pouco saudáveis, você fica até mesmo mais feliz que antes e isso, na visão de Pascal, é o verdadeiro pagamento da aposta.
O argumento de Pascal pode soar “arrumadinho”, mas devemos imaginar que ele era um grande matemático e sabia trabalhar com números infinitos, e como tal processo acaba por se tornar uma tarefa ardilosa. Pela lógica de Pascal, você seria levado à busca de qualquer promessa de felicidade infinita, religiosa ou não, como a coisa mais racional a ser feita, em caso de haver uma remota chance de sucesso. (Digamos que exista 1% de probabilidade de que a Fonte da Juventude exista; você deveria largar tudo agora e ir em busca dela).
Muito bem, para que a Aposta de Pascal funcione, você tem que tomar como certas muitas das coisas que ele quer provar – que, se Deus existe, Ele é infinito, onisciente, onipotente, e o verdadeiro autor da Bíblia. Mas, naturalmente, existe um número infinito de outras possibilidades – por exemplo, que Deus exista mas não ligue muito para o comportamento das pessoas ou (o mais danoso para o argumento de Pascal) que Deus exista mas não seja realmente um ser infinito. Ainda há o caso de que Deus exista, mas é totalmente diverso de tudo que se imaginou a respeito dele, parecendo-nos tão estranho quanto nossos pensamentos, sensações e desejos seriam estranhos ao olhar de uma ameba. E ninguém (muito menos Pascal) poderia provar que uma dessas descrições de Deus seja mais acertada do que outra. Mesmo porque, ninguém andou batendo um papinho com o Todo-Poderoso nos últimos milênios.
Voltando ao assunto, é muitíssimo mais difícil agir com base em crenças que você não têm (por mais razoáveis que sejam) do que Pascal gostaria de admitir. A razão não é o único motor das nossas ações e das nossas crenças. E, além disso, supõe-se que Deus haveria de saber se você estava sendo sincero ou só jogando, afinal ele é onisciente, certo?
No âmbito da natureza humana, prazeres certos geralmente prevalecem sobre os incertos, por mais sedutores que sejam estes últimos. No calor da paixão, possibilidades infinitas podem vir a parecer bem irrelevantes. A crença em alguém que lhe proverá de bênçãos e presentes mostra que, no fundo, se trata de um raciocínio em que as pessoas acreditam para ter algo em troca. O que justifica a frase de Einstein: “Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível.”
Pascal admitiu que é impossível “provar” que Deus existe – de fato, afirmou ele, a razão humana é incapaz de provar qualquer coisa com certeza. Isso daria a pensar que Pascal era agnóstico, mas não é verdade. Afinal, para ele, a principal pergunta residia no fato se convinha a alguém acreditar na existência de Deus, e sua resposta era que você seria tolo se não acreditasse. Ele tentou mostrar matematicamente que seria um péssimo negócio não acreditar em Deus.
A matemática que Pascal empregou trabalhava no campo das Probabilidades, que ele ajudou a inventar. Bom, no modo de ver de Pascal, a crença ou a descrença que você possa ter em Deus exige uma aposta.
Ora, se Deus existe e a “Sagrada Escritura” são verdadeiros, sua crença vai dar-lhe infinita felicidade após a morte. Se Deus não existe, tudo o que você teria a perder acreditando no dito cujo seriam os prazeres finitos de uma vida finita. Mesmo porque, ainda que as chances da existência de Deus fossem próximas de zero – Pascal sugere que elas estão perto de 50 % – a única coisa racional que você pode fazer é jogar o jogo, pois qualquer percentagem finita de infinito tende a ser infinita também, o raciocínio mediante este conceito mostra que você deve acreditar em Deus.
Indo pelo outro lado da moeda, se você se recusar a acreditar em Deus e estiver errado, você será condenado às penas infernais, pois será um pecador. E tomando por base que as probabilidades que isso aconteça são enormes, não restaria nada mais a você do que seguir Deus.
E claro que você poderia ainda resistir à razão, mas isso só aconteceria se você permitisse que seus desejos e paixões sufocassem o que você tem de melhor. De acordo com nosso amigo Pascal, os desejos podem ser controlados se você proceder como se acreditasse em Deus e participar de bons rituais cristãos. E se você se acostuma com isso, termina por descobrir que, largando seus hábitos pouco saudáveis, você fica até mesmo mais feliz que antes e isso, na visão de Pascal, é o verdadeiro pagamento da aposta.
O argumento de Pascal pode soar “arrumadinho”, mas devemos imaginar que ele era um grande matemático e sabia trabalhar com números infinitos, e como tal processo acaba por se tornar uma tarefa ardilosa. Pela lógica de Pascal, você seria levado à busca de qualquer promessa de felicidade infinita, religiosa ou não, como a coisa mais racional a ser feita, em caso de haver uma remota chance de sucesso. (Digamos que exista 1% de probabilidade de que a Fonte da Juventude exista; você deveria largar tudo agora e ir em busca dela).
Muito bem, para que a Aposta de Pascal funcione, você tem que tomar como certas muitas das coisas que ele quer provar – que, se Deus existe, Ele é infinito, onisciente, onipotente, e o verdadeiro autor da Bíblia. Mas, naturalmente, existe um número infinito de outras possibilidades – por exemplo, que Deus exista mas não ligue muito para o comportamento das pessoas ou (o mais danoso para o argumento de Pascal) que Deus exista mas não seja realmente um ser infinito. Ainda há o caso de que Deus exista, mas é totalmente diverso de tudo que se imaginou a respeito dele, parecendo-nos tão estranho quanto nossos pensamentos, sensações e desejos seriam estranhos ao olhar de uma ameba. E ninguém (muito menos Pascal) poderia provar que uma dessas descrições de Deus seja mais acertada do que outra. Mesmo porque, ninguém andou batendo um papinho com o Todo-Poderoso nos últimos milênios.
Voltando ao assunto, é muitíssimo mais difícil agir com base em crenças que você não têm (por mais razoáveis que sejam) do que Pascal gostaria de admitir. A razão não é o único motor das nossas ações e das nossas crenças. E, além disso, supõe-se que Deus haveria de saber se você estava sendo sincero ou só jogando, afinal ele é onisciente, certo?
No âmbito da natureza humana, prazeres certos geralmente prevalecem sobre os incertos, por mais sedutores que sejam estes últimos. No calor da paixão, possibilidades infinitas podem vir a parecer bem irrelevantes. A crença em alguém que lhe proverá de bênçãos e presentes mostra que, no fundo, se trata de um raciocínio em que as pessoas acreditam para ter algo em troca. O que justifica a frase de Einstein: “Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível.”
Um comentário:
muito bom, Psô
vlw
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