segunda-feira, 9 de março de 2009

Aristóteles - seminário 1

Seminário 1 – Aristóteles

Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível. Chamamo-la Estado ou sociedade política.
(...) Dizemos, pois, dos diferentes seres, que eles se acham integrados na natureza quando tenham atingido todo o desenvolvimento que lhes é peculiar. Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado.
É evidente, pois, que a cidade faz parte das coisas da natureza, que o homem é naturalmente um animal político, destinado a viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não porque qualquer circunstância do acaso o inibe, deixa de fazer parte de uma cidade, é um vil ou superior ao homem. Tal indivíduo merece, como disse Homero, a censura cruel de ser sem família, sem leis, sem lar. Porque ele é ávido de combates, e, como as aves de rapina, incapaz de se submeter a qualquer obediência.
Claramente se compreende a razão de ser o homem um animal sociável em grau mais elevado que as abelhas e todos os outros animais que vivem reunidos. A natureza, dizemos, nada fez em vão. O homem só, entre todos os animais, tem o dom da palavra; a voz é o sinal da dor e do prazer, e é por isso que ela também foi concedida aos outros animais. Estes chegam a experimentar sensações de dor e de prazer, e a fazer compreender uns aos outros. A palavra, porém, tem por fim fazer compreender o que é útil ou prejudicial, e, em conseqüência, o que é justo ou injusto. O que distingue o homem de um modo específico é que ele sabe discernir o bem, o justo do injusto, e assim todos os sentimentos da mesma ordem cuja comunicação constitui precisamente a sociedade política.
(...)
(...). A autoridade e a obediência não só são coisas necessárias, mas ainda são coisas úteis. Alguns seres, ao nascer, se vêem destinados a obedecer; outros, a mandar. E formam, uns e outros, numerosas espécies. A autoridade é tanto mais alta quanto mais perfeitos são os que a ela se submetem. A que rege o homem, por exemplo, é superior àquela que rege o animal; assim, mais vale comandar homens do que animais. O que se executa mediante melhores agentes é sempre mais bem executado, partindo então a execução do mesmo princípio que o comando; ao passo que, quando aquele que manda e aquele que obedece são de espécies diferentes, cada um sacrifica algo de seu.
Em todas as coisas formadas de várias partes que, separadas ou não, fornecem um resultado comum, manifestam-se a obediência e a autoridade. É o que se observa em todos os seres animados, qualquer que seja a sua espécie. Encontram-se mesmo uma certa autoridade nas coisas inanimadas, como na harmonia. Mas este ponto é, talvez, bem estranho ao nosso assunto.
O animal compõe-se primeiro de uma alma, depois de um corpo: a primeira, por sua natureza, comanda e o segundo obedece. Digo "por sua natureza", pois é preciso considerar o mais perfeito como tendo emanado dela, e não o que é degradado e sujeito à corrupção. O homem, segundo a natureza, é aquele que é bem constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma, é certamente por erro e contra a natureza.
Primeiramente, como dizemos, deve-se reconhecer no animal vivo um duplo comando: o do amo e o do magistrado. A alma dirige o corpo, como o senhor ao escravo. O entendimento governa o instinto, como um juiz aos cidadãos e um monarca aos seus súditos. É claro, pois, que a obediência do corpo ao espírito, da parte afetiva à inteligência e à razão, é conforme à natureza, assim como ao interesse de todas as partes. A igualdade ou direito de governar cada um por sua vez seria funesta a ambos.
A mesma relação existe entre o homem e os outros animais. A natureza foi mais pródiga para com o animal que vive sob o domínio do homem do que em relação à fera selvagem; e a todos os animais é útil viver sob a dependência do homem. Nela encontram eles a sua segurança. Os animais são machos e fêmeas. O macho é mais perfeito e governa; a fêmea é menos, e obedece. A mesma lei se aplica naturalmente a todos os homens.
Há na espécie humana indivíduos tão inferiores a outros como o corpo o é em relação à alma, ou a fera ao homem; são os homens nos quais o emprego da força física é o melhor que deles se obtêm. Partindo dos nossos princípios, tais indivíduos são destinados, por natureza, à escravidão; porque, para eles, nada é mais fácil que obedecer. Tal é o escravo por instinto: pode pertencer a outrem (também lhe pertence ele de fato), e não possui razão além do necessário para dela experimentar um sentimento vago; não possui a plenitude da razão. Os outros animais dela desprovidos seguem as impressões exteriores.
A utilidade dos escravos é mais ou menos a dos animais domésticos: ajudam-nos com sua força física em nossas necessidades quotidianas. A própria natureza parece querer dotar de características diferentes os corpos dos homens livres e dos escravos. Uns, com efeito, são fortes para o trabalho ao qual se destinam; os outros são perfeitamente inúteis para os semelhantes, mas são úteis para a vida civil, que assim se acha repartida entre os trabalhos de guerra e os da paz. (...).
É claro que, se essa diferença puramente exterior entre os homens fosse tão grande como o é em relação às estátuas dos deuses, todos estariam acordes em dizer que aqueles que demonstram inferioridade devem ser escravos dos outros. Ora, tal sendo em relação ao corpo, mais justa será essa distinção no que se refere à alma; mas não é tão fácil ver a beleza da alma como se vê a do corpo. Assim, dos homens, uns são livres, outros escravos; e para ele é útil e justo viver na servidão.

ARISTÓTELES. Política, livro I.

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